Economia Criativa e Cidades Criativas

Economia Criativa e Cidades Criativas

Por Gina Gulineli Paladino*

 

Em um contexto de desindustrialização nos países europeus quando as indústrias tradicionais estavam sendo fechadas devido à concorrência asiática, o Departamento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS) da Grã-Bretanha divulgou, em 1998, um estudo sobre a economia criativa mostrando seu potencial para a geração de empregos de alto valor, renda acima da média do mercado e crescente peso nas exportações. As atividades econômicas contempladas neste relatório tinham a criatividade como principal insumo produtivo e por isso se tornou um marco na conceituação da economia criativa e indispensável leitura para os iniciantes no tema.

 

Na sequência, especialistas de diferentes países incorporaram elementos mercadológicos de propriedade intelectual em que marcas, patentes e direitos autorais também auxiliam na transformação da criatividade em produtos e destacaram o surgimento de uma nova classe de trabalhadores, denominada classe criativa, com grande potencial de contribuição para a geração de riqueza e valor econômico.  Até então, essa classe criativa era avaliada quase que exclusivamente pelo seu papel nas atividades estritamente culturais e artísticas.

 

Após uma década de experiências realizadas em diversos lugares do mundo, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD publicou, em 2008, o primeiro estudo de abrangência internacional demostrando que as exportações mundiais dos segmentos criativos já superavam US$ 500 bilhões.

 

A UNCTAD defende que a “economia criativa é um dos setores mais dinâmicos do comércio internacional, gera crescimento, empregos, divisas, inclusão social e desenvolvimento humano. É o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e o ativo intelectual como principais recursos produtivos”.

 

No Brasil, o primeiro estudo de mapeamento foi realizado em 2008 pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), com o título ‘A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil’. Os segmentos nucleares da Economia Criativa são os seguintes: Arquitetura; Artes Cênicas; Audiovisual; Design; Editorial; Expressões Culturais; Moda; Música;  Patrimônio e Artes;  Pesquisa & Desenvolvimento;  Publicidade e TIC.

 

O estudo da FIRJAN referente a 2017 demonstrou que o PIB da economia criativa representou 2,61% do PIB total do Brasil, ou cerca de R$ 172 bilhões. Neste mesmo ano mais de 830 mil profissionais criativos estavam empregados no mercado de trabalho formal, sendo a maioria vinculados aos 245 mil estabelecimentos dos segmentos criativos e o restante nos demais setores produtivos. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro são os que apresentam os maiores PIB da economia criativa, cerca de 4%.

 

O crescimento da economia criativa em todo o mundo também está ligado à transformação digital e à valorização da experiência dos consumidores. Por consequência, as profissões criativas estão em alta: mídias digitais, promoção da imagem das empresas, relações públicas, inovação no consumo, etc. Não é por acaso que os profissionais criativos, usualmente mais qualificados, recebem remunerações bem acima da média dos demais trabalhadores.

 

De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID se a economia criativa fosse um país, teria o 4º maior PIB de US 4,4 trilhões de dólares e 144 milhões de pessoas empregadas. A Organização Mundial do Trabalho – OIT cita que o crescimento anual do mercado criativo deve girar entre 10% e 20% nos próximos anos em todo o mundo. Além disso, a criatividade tornou-se uma das aptidões mais desejadas nos profissionais do século XXI, segundo os relatórios sobre o futuro das profissões publicados pelo Fórum Econômico Mundial.

 

As cidades são o habitat por excelência das classes criativas e dos empreendedores inovadores e, por isso, são grandes protagonistas do desenvolvimento econômico e social. As cidades criativas se destacam pelas inovações urbanas e empresariais, conexões presenciais e virtuais, relevantes bases culturais e ações de longo prazo. A colaboração urbana é uma das forças mais poderosas na mudança social contemporânea porque impulsiona modelos de negócios colaborativos que requerem ambientes empresariais compartilhados, boa infraestrutura de conectividade e novas formas de financiamento.  A produção dessa nova economia resulta cada vez mais em produtos e serviços intangíveis, altos salários e rentabilidade acima dos demais segmentos da economia. Elas apresentam maior capacidade de gerar empregos, principalmente entre os jovens e, se bem apoiadas, são propulsoras de inovação e da ampliação da capacidade produtiva do conjunto da economia.

 

Neste contexto, as estratégias de desenvolvimento das cidades visando posicioná-las no patamar de cidades criativas requer uma série de novos instrumentos que garantam a retenção de talentos, capacitação de jovens empreendedores e pessoas criativas, atração de empresários e de investimentos, diversificação da matriz produtiva, ampliação da diversidade social, inclusão social e fortalecimento de projetos culturais.

 

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FECOMERCIOSP) divulgou pela primeira vez no Brasil, em 2012, o Índice de Criatividade das Cidades. O indicador tem como objetivo fornecer informações relevantes para a adoção de medidas públicas, focadas na criatividade, capazes de gerar avanços efetivos no nível de competitividade e na economia dos municípios.

 

Para chegar ao índice, foram considerados fatores econômicos, sociais e de potencial criativo das 50 maiores cidades do país ao longo de 2011. Este indicador confirma que as cidades com melhores condições socioeconômicas têm maior potencial para atrair e reter talentos criativos. Por outro lado, algumas cidades com grande potencial criativo entre as pesquisadas não aproveitam esta condição para alavancar o desenvolvimento econômico ou gerar melhorias em qualidade de vida e benefícios para sociedade.

 

Em 2013 o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) realizou uma pesquisa que identificou cerca de 22.000 trabalhadores formais empregados nas empresas criativas em Curitiba, sendo 3.800 da classe criativa. O salário médio dos profissionais criativos do mercado formal de trabalho da cidade foi de R$ 3,6 mil (2013), contra um valor médio de todos os setores econômicos de R$ 2,8 mil (2014).

 

Em outubro de 2015, a Agência Curitiba de Desenvolvimento (ACD), em parceria com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), elaborou o primeiro mapeamento da Economia Criativa na cidade de Curitiba. O resultado encontrado em termos do número total de estabelecimentos formais criativos foi de 22.009, distribuídos em todos os bairros da cidade. Utilizando a mesma metodologia a cidade de São Paulo contava com um total de 162.400 estabelecimentos, Rio de Janeiro –  61.588, Belo Horizonte – 25.330, Porto Alegre –20.491, Brasília –20.482, etc.

 

Políticas públicas inovadoras e parcerias público-privadas têm sido utilizadas em todo o mundo visando estimular o surgimento de projetos que sustentem empreendimentos criativos. Entre elas destacam-se: redefinições apropriadas do zoneamento urbano, revitalização de áreas degradadas, fortalecimento de centros educacionais e culturais, projetos de pesquisas e de tecnologia, criação de espaços para empreendimentos criativos, galerias de arte, bibliotecas modernas, salas de cinema e demais empreendimentos de audiovisual, museus interativos e virtuais, infraestrutura de conectividade, mobilidade diversificada e eficiente, áreas verdes e de lazer, incubadoras, aceleradoras, espaços de cowork, etc.

 

Assim, é necessário que tanto os setores públicos quanto o privado passem a fomentar cada vez mais a economia criativa e a pensar o desenvolvimento das cidades como sendo um pro­cesso relacionado às capacidades criativas das pessoas. Governos locais e  e organizações estão colocando em prática estes ensinamentos e demonstrando que o aumento dos investimentos na economia criativa também contribui para o desenvolvimento social por meio do crescimento da autoestima individual, do bem-estar das comunidades e da qualidade de vida em geral.

 

*Gina Paladino é Economista especializada em Economia Criativa e Cidades Criativas.

 

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