Urbanização e transporte público: como se tornaram centro de discussão no direito à cidade

Urbanização e transporte público: como se tornaram centro de discussão no direito à cidade

Por Hermes Eduardo Nichele*

 

A urbanização se aproxima do seu ápice e o transporte público desponta no
século XXI como o tema central do acesso à cidade. Nesse texto, quero chamar
a atenção para a amarração desses temas e quais os desafios que o transporte
público enfrenta atualmente.

A urbanização, taxa de pessoas vivendo em cidades, crescia em ritmo acelerado
desde o início da Revolução Industrial, mas teve uma explosão ao longo do
século XX no mundo todo. No Brasil, o êxodo rural fez o país se tornar urbano
na década de 1970, quando mais da metade da população foi registrada em
cidades.

Alerto que o urbano precisa ser entendido como um processo social que
alcançou um estado de urbanização crítica, segundo previa Lefebvre. O filósofo
francês cunhou a expressão implosão-explosão, o que seria a dicotomia entre
concentração nas cidades e expansão horizontal da urbe, tornando o limite
urbano-rural difuso. Entendemos assim que atualmente se vive um processo de
urbanização planetária, isto é, o globo por inteiro está submetido à vida urbana,
mesmo regiões longínquas e isoladas. Isso fica claro ao observarmos o avanço
do agro e o alcance de enfermidades como a COVID-19. Tudo é partido do centro
de produção capitalista locado na urbe.

Nesse cenário, a mobilidade é um assunto bastante recorrente nas discussões
recentes. Não é à toa que a Política Nacional da Mobilidade Urbana virou lei em
2012 (Lei 12.587) e o estopim das Jornadas de 2013 foi o aumento da tarifa.

Anteriormente, as distâncias dentro das cidades podiam ser vencidas por meio
de carroças, bicicletas, bondes e trens. O carro aparece então e toma o centro
do palco, em todo o mundo. No nosso país, a política rodoviarista, germinada
por Washington Luís e revigorada por JK, retirou os trens dos grandes
deslocamentos. Nas cidades, montadoras fizeram filiais no Brasil e modelos
brasileiros como o fusca viraram febre. Com a fixação de uma cultura de ode ao
carro e a popularização desse modo na segunda metade do século, as ruas das
cidades foram adaptadas para os automóveis.

E onde estava o transporte público nesse meio? Bondes não conseguiam
acompanhar o crescimento das cidades, com ruas ainda não pavimentadas e
bairros residenciais distantes surgindo um após o outro. Perderam espaço para
os ônibus, mais adaptáveis a mudanças constantes. E a gestão desses ônibus
foi tomada pela iniciativa privada, como uma terceirização de um serviço público.

Esse é o cenário que perdura até hoje. Em Curitiba é do saber popular que a
família Gulin abocanha a maior parte da operação dos ônibus. Há nos municípios
contratos de concessão incompletos e despreparados ou, pior, municípios que
uma mesma empresa opera o sistema sem um contrato formal.

E, se é da iniciativa privada, é algo que tem que gerar lucro. Por isso, os sistemas
de ônibus não têm compromisso em atender com qualidade a população, nos
quesitos de abrangência, frequência, acessibilidade e acesso à informação. As
tecnologias disponíveis não são aproveitadas para o bem coletivo, como em
integração temporal, aplicativos e canais de comunicação. No caso de arranjos
populacionais, cidades que compartilham uma rotina socioeconômica, como
Curitiba e municípios vizinhos ou Pontal do Paraná e Matinhos, o transporte
público deveria ser gerido de maneira unificada e integrada, o que está longe de
acontecer.

Quando pensamos na tarifa, temos preços abusivos. Curitiba tem uma das
passagens mais caras dentre as capitais. A discussão da tarifa zero começou a
tomar forma e aos poucos é concretizada em cidades médias e pequenas, como
Paranaguá, Cianorte e Ivaiporã. Mas ainda é pouco perto do que precisamos.

A classe trabalhadora se encontra em maioria ainda à mercê de ônibus
demorados, lotados, de baixa qualidade e ainda por cima caros. Por que serviços
públicos de fato gratuitos e acessíveis, como a educação e a saúde, são dados
como comuns e o transporte público não o é? Se colocamos na balança, custos
de escolas, creches, postos de saúde, hospitais e tantos outros equipamentos
são iguais ou até maiores que os de sistemas de ônibus. E nem menciono a
implantação de VLTs, metrôs e modos alternativos, que são quase uma utopia
no Paraná.

Essa última década mostrou: não há mais espaço nas vias de cidades infladas
e o transporte público é o serviço demandado e de fato a solução. Afinal, a
mobilidade urbana é a base de acesso ao trabalho, ao estudo e ao lazer, é o
motor que gira o direito à cidade. E esse motor precisa ser oferecido
verdadeiramente como serviço público.

 

*Hermes Eduardo Nichele é Arquiteto Urbanista, Escritor, Mestre em Planejamento Urbano – PPU UFPR

 

Referências

CARVALHO, C. O. de; BRITO, F. L. Mobilidade urbana: conflitos e
contradições do direito à cidade. Revista de Direito Econômico e
Socioambiental, Curitiba, v. 7, n. 2, p. 103-132, 2016.

LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Tradução de Sérgio Marting. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 1999.

Pular para o conteúdo